AUTOGESTÃO E DEMOCRACIA DIRETA EM TEMPOS DE TECNOCRACIA

AUTOGESTÃO VERSUS DEMOCRACIA PSEUDO DIRETA

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A autogestão tende à acracia e a democracia direta tende à tecnocracia. Na autogestão a interação é sistêmica, os processos colaborativos são elevados e as discussões coletivas se tornam cada vez mais raras. Nela, a sociedade se organiza de forma a não precisar se governar, se estabiliza. Já na democracia direta as discussões são permanentes, tendendo a eternas divisões e formações de grupos opressores. Condições estas que mantendo-se fazem da sociedade escrava de si mesma na medida em que as maiorias subjugam as minorias.

Ambas podem parecer praticamente sinônimos, e ainda existe muita confusão quanto aos conceitos. De fato, a autogestão é uma democracia direta, o inverso nem sempre é verdadeiro. Independente disto ambos os sistemas são propostos a deliberar por meio de assembleias, conselhos e outras estruturas horizontais de organização.

No entanto, o modelo de democracia direta cada vez mais propagado especialmente nas redes sociais é muito diferente da autogestão. Trata-se de apenas retirar os políticos e passar as decisões legislativas diretamente para o povo, isto não incluiria a necessidade de um representante executivo, figura que a partir daí seria extinta ou permaneceria de forma figurativa.

Esta forma de democracia direta, que elege o sistema de votações e busca simplesmente uma destituição dos representantes em nada tem a ver com a autogestão e o seu entendimento de horizontalidade social.

Neste sistema, defendido por muitos movimentos políticos, a tecnocracia toma o controle de todos os rumos sociais. Aqueles que escrutinarem os votos serão os detentores de todas as decisões. Uma democracia direta alicerçada nos pilares da democracia atual, republicana e representativa, jamais atingirá o seu objetivo de promover a igualdade.

É necessário um repensar do modus operandi das bases, a estruturação da autogestão buscando o fim de qualquer governo. A verdadeira democracia direta, autogestionada, sem estágios de transição. Não basta que tenhamos absorvido o trabalho dos representantes e agora possamos seguir atuando sem eles, isto é algo hediondo do ponto de vista do custo benefício, devemos fazer nosso próprio jogo.

A Autogestão busca justamente o contrário disto, o contrário de um mundo governado por poucos que detêm o controle, neste caso, os tecnocratas. A autogestão visa garantir uma sociedade livre e organizada horizontalmente, com liberdade individual. Livre da ameaça de uma ditadura da maioria oprimindo a todos que não se enquadrarem.

Se a democracia representativa é uma farsa, a democracia direta não vai deixar de ser farsa se for simplesmente a amputação de uma classe desnecessária (a dos políticos), para o bom funcionamento de todo o sistema. A democracia funciona muito bem para quem possui capital, o lobby só mudaria de forma e permaneceria ativo, “horizontalizaria” e agiria com muito mais eficiência. Anti-Anonymous

A democracia direta nestes sistemas propostos é verticalmente sustentada, não elimina a opressão e horizontaliza apenas o lobby, uma vantagem pequena se comparada aos benefícios que a autogestão pode trazer a todos. O convencimento para esta ideia se dá com apelos inquestionáveis, a classe política realmente precisa deixar de existir, mas o modo como devemos nos organizar depois disso não pode refletir a organização desta classe.

A forma como a democracia direta é pensada atualmente nos meios tecnocratas (movimento “anonymous”) leva quem for a ela apresentado e não possui outra bagagem, a optar por duas vias: ou se conforma com a democracia representativa ou deseja tornar-se um tecnocrata e controlar o gado (as ovelhas).

Votar é uma atitude rasa, um aperto de botão ou marcação em uma cédula. Uma democracia direta que utiliza o voto potencializa rachas na sociedade em caso de impasses e votações apertadas. Ela não elimina a verticalização, o objetivo final não é esse.

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Coloco então estes processos intitulados de democracia direta mas que tendem à tecnocracia num campo diferente e oposto da autogestão, porém, não tentarei entrar no mérito conceitual da questão mais do que já foi aprofundado.

Se quiser chamar autogestão de democracia direta, ou se quiser chamar de ditadura, não importa. Nenhum rótulo importa, mas é importante não fazer a confusão, perceber que os processos de democracia direta que não vislumbram todos os princípios da autogestão são abortos da mesma, e inertes como avanço para igualdade e liberdade dentro da sociedade.

A DITADURA DO CONSENSO

Os processos de decisão autogestionados não são terminados por meio de votação, o consenso é buscado sempre. As discussões infindáveis e cansativas que chegam a níveis irracionais são reflexos dos processos de discussão baseados em voto, nos quais é preciso defender com bravura o seu ponto de vista. Na autogestão eles são controlados, mesmo que indivíduos adaptados ao sistema de votações tenham dificuldade inicial para comunicar-se de forma eficiente em reuniões e agremiações regidas por este processo horizontal de tomada de decisões.

Na autogestão se remove as ineficiências de uma reunião ou um debate, limitando o tempo de fala de cada indivíduo e dando obrigatoriedade (ou possibilidade) de fala a todos (por consequência). As decisões não são votadas, elas são discutidas até a sua resolução, até que partes discordantes minoritárias abram mão de decidir ou até que seja consenso que haja uma votação. Em todos os casos o essencial é não passar por cima de nenhum consenso, mesmo que isso signifique não tomar nenhuma decisão e não fazer nada sobre determinado assunto (quando possível).

Isto só é realizável desenvolvendo a capacidade de negociar, ceder, do senso de responsabilidade assim como da empatia e a diplomacia. Se faz necessário desenvolver a fraqueza como uma forma de poder.

O PARADOXO DE MANDAR OBEDECENDO

As situações de exceção sempre ocorrem, emergências precisam ser resolvidas e há casos que podem exigir delegar poder. Deve se tomar cuidado em não estruturar de forma verticalizada nenhuma subestrutura dentro de um sistema autogestionado sob risco de ruí-lo ao criar figuras ou grupos de liderança e condições de dependência unilateral entre os participantes.

Quem faria a proteção por exemplo? É uma questão bem debatida e muitos sistemas autogestionários optam pela criação de milícias para tanto. Nesta opção existe sempre o risco iminente de verticalização e também o de surgimento de uma classe militar dominante a partir desta estrutura.

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No caso destas milícias, o que se faz é um serviço de exceção. Para a execução das tarefas pertinentes a elas os participantes das mesmas podem definir regras específicas mas não podem deixar de obedecer decisões coletivas, este é um impasse, o paradoxo do “mandar obedecendo”.

Como garantir a disciplina em relação a esta questão? Por mais que seja possível se confiar na intenção de pioneiros, os que vem após eles tendem a ser cada vez mais interessados em preservar as suas posições, o poder pelo poder se torna a meta. É preciso entender esta característica humana sem deixar-se cair em ingenuidade nem em desesperança.

A solução menos coercitiva para um sistema autogestionado horizontal é a “militarização” de todas as pessoas (sem a conotação hierárquica que o termo militarizar denota). Fazendo as atividades militares serem pertinentes a todos indivíduos e não a um grupo específico dentro do grupo maior, elimina-se o risco deste subgrupo submeter os outros pela força ou outra forma de coerção.

Neste militarizar, não incluem-se apenas as pessoas com porte físico de um soldado tradicional, mas a todas elas sem exceção. As funções obviamente irão depender das aptidões de cada um. As decisões no entanto, serão tomadas de forma horizontal e através do consenso obrigatório (mesmo em caso de decidir-se por votações).

Com isto, o “mandar obedecendo” torna-se mais claro e menos paradoxal, reduzindo a praticamente zero os índices de insubordinação. Traidores(as) ainda vão existir, outra característica humana, mas será possível decidir consensualmente o que fazer com eles(as) antes que traições ocorram.

EL GRAXAIM MILITARIS 26-03-2016

CICLONE EXTRA TROPICAL – INÓSPITA

 

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Desalinhada Palavra

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2 comentários em “AUTOGESTÃO E DEMOCRACIA DIRETA EM TEMPOS DE TECNOCRACIA”

  1. A ideia de voltar a uma sociedade caçadora e coletora, junto militarização de todos é realmente maravilhosa. Há tempos penso nisso nunca pensei que houvesse pessoas na mesma pegada. Fecho muito com vcs.

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